Mulher: respeito e dignidade
Algumas datas festivas não me agradam pela mercantilização, pelos
presentes excessivos, diversão sem emoção e abraço sem afeto. Quem dá bola para
professor, mãe e pai quando há a praia, a balada, bastante bebida? Repito, para
não ser mal interpretada, que não é a maioria que age assim, mas cada vez mais
sentimos nos ares o aroma da grana fluindo: haja propaganda! Bem antes da
Páscoa, coelhos já pululam nas cidades e papais noéis apontam suas belas barbas
meses antes do Natal. Mal terminada a temporada de caça a compradores do Dia
das Mães, começará a do Dia dos Namorados. Sou contra? Sou muito a favor da
troca de carinho, gentileza, pequenas lembranças, de curtir o dia e as pessoas.
Sou da banda da vida, dos afetos, da alegria.
No Dia da Mulher celebra-se a dita liberdade? Nela eu não creio. O que
aconteceu com as mulheres nestas décadas foi saírem do jugo do pai, irmãos,
marido, até filhos, e começarem a se enxergar, sentir e agir como pessoas. Podem
estudar, morar sozinhas, casar com quem quiserem ou não casar, ter filho ou
não, dirigir empresas ou ônibus, pilotar aviões, fazer doutorados, brilhar nas
ciências ou finanças, enfim: somos gente. Há muito que fazer, um longo caminho
a percorrer. Altas executivas ainda são olhadas com desconfiança e às vezes
lidam com condições desfavoráveis, culpas atávicas, falta de estrutura da
sociedade para aliar profissão a vida pessoal, sobretudo a maternidade. Ainda há
quem ganhe menos que homem na mesma função. Ainda há quem tenha de “caprichar
dobrado”. Mas as coisas vão se resolvendo na medida em que nos fazemos
respeitar.
É aí que quero chegar: mais do que direitos e liberdade, falar em
dignidade e respeito. Minha querida Lygia Fagundes Telles, grande escritora
brasileira, já disse que muitas vezes aparecemos “feito pedaços de carne em
gancho de açougue antigo”. A mulher despida cada vez mais é objeto de
propagandas. Vender automóvel? Mulher de biquíni. Vender comida? Mulher de
biquíni. Vender qualquer produto? Mulher meio pelada. Mulher fazendo trejeitos
ditos sensuais, caras e bocas, exibindo plásticas nem sempre naturais. Já escrevi
que quanto mais falamos em natureza mais distantes dela estamos. Propagandas em
que mulheres fazem o marido passar por idiota: ele é preguiçoso demais, mas meu
intestino já não é. O inseticida funciona, meu marido dorme no sofá de boca
entreaberta...
Se a propaganda em geral nos usa desse jeito, raramente favorável, é de
pensar em que medida nós contribuímos para isso. O sonho de muitas meninas é
ser um dia a mulher-maçã, a mulher-melancia, a mulher-melão, ter aqueles
assustadores peitos falsos e imensos, aquele traseiro deformado, aquela
musculatura de levantador de peso. O ideal de algumas é estar no Big Brother com outros debaixo de um
sugestivo edredom. Os homens não nos respeitam, dizemos. É preciso fazer-se
tratar como parceira, não como gueixa desejosa de cartões de crédito polpudos
ou homéricas cantadas, muito menos acrobacias sexuais que pouco têm a ver com
sexo verdadeiro. Acrescento que andamos iludidas com uma avassaladora onda de
mitos sobre sexualidade, sensualidade, beleza, resultando em corpos e rostos
por vezes deformados, e almas aflitas. Somos bombardeadas por mentiras sobre
transas épicas e mil delírios, rapidinho aqui, depressa ali, vendo receitas
bizarras sobre segurar seu homem, a literatura dita pornô soft impressionando
milhões pelo mundo afora; por toda parte, muito mais ansiedade do que prazer.
Aqui e ali, meninas precocemente sexualizadas, maquiadas e requebrando
inseguras em incongruentes sapatos de salto... jogos de fundo sexual entre pré-adolescentes
em festinhas sem a presença de adultos... adolescentes praticamente coagidas a
experimentar intimidades que mal entendem... Nisso talvez valesse a pena
pensar, rever, quem sabe transformar, na data que nos é dedicada: expor menos
carne e cultivar mais sentimentos, pensamentos, valores. Mas talvez eu pareça
um fantasma ancestral falando um idioma estranho.
Lya
Luft é escritora. Artigo extraído da revista Veja [ http://www.veja.com.br ], 13.3.2013, pág. 24.
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