Trecho de um dia normal na vida do Maluco.
Maluco
levantou cedo naquele dia. Dormiu nada naquela noite. Também depois
de ter bebido tanta cerveja com uma dose de pinga para cada garrafa.
E foram bem umas 30 garrafas de cerveja. Para três pessoas, não é
brincadeira não. A cabeça estava latejando, parecia mesmo que ia
explodir a qualquer momento.
E
ser acordado daquela forma, com sua mulher chamando alto, sem parar,
com o bebê já chorando feito um desesperado por causa do carrinho
que havia caído atrás do sofá na sala, é triste mesmo. Para
piorar mais ainda, ele nem se lembrava mais de quantas carreiras de
pó foram cheiradas entre às onze horas da noite e às três da
madrugada. É lógico que não tinha jeito mesmo de estar se sentindo
bem.
Depois
daquilo tudo de drogas e cachaça, não necessariamente nessa ordem,
ter que levantar cedo para levar a mulher ao hospital fazer consulta
de pré-natal, ninguém merece. Foi mais ou menos isso que pensou o
Maluco. É, mais não tinha outra forma de resolver aquela parada,
era ele mesmo que havia de cumprir a obrigação. Afinal, ele era o
marido e pai da criança que estava crescendo na barriga da Marcela,
havia quase sete meses.
A
ressaca parece ter ficado mais forte assim que o Maluco se colocou de
pé ao lado da cama. O quarto girou feito pião, obrigando-o a se
segurar na cabeceira da cama. Exclamou um “Caralho”, ficou quieto
alguns segundos e partiu meio cai não cai rumo ao banheiro. Depois
de escovar os dentes e ter quase vomitado por causa do gosto do creme
dental, lavou o rosto, ajeitou um pouco o cabelo, voltou ao quarto
vestiu-se e foi até a cozinha.
Seis
horas da manhã, marcava o relógio na parede acima da mesa. A
Marcela e o pequeno Hugo, de dois anos recém-completados, não
estavam na cozinha, mas sim na garagem esperando pelo Maluco, pois a
consulta estava marcada para as 7:30 h na Clínica da Mulher, no
Setor Marista. E só de pensar como o trânsito costuma ser pesado na
Avenida Castelo Branco ou qualquer outra via para quem mora no
Conjunto Vera Cruz. Mesmo a Rodovia dos Romeiros do posto policial
até chegar à Goiânia anda movimentada demais. Aquilo lá está
virando uma espécie de avenida da capital. É carro, moto, caminhão,
ônibus, gente demais. Divino Pai Eterno!
Na
correria para sair de casa, Maluco já estava com a chave na ignição
quando de um estalo, lembrou-se que estava esquecendo algo. Sem dizer
palavra, saiu do carro entrando na casa novamente. Foi rápido,
demorou menos de um minuto e já estava de volta sentado no banco do
motorista, dando partida no carro. O que ele foi pegar? Uma pistola
ponto 40, que comprou recentemente e dela não se separava para nada.
E o porte de armas dele? Claro que ele jamais teve porte de armas.
Dizem
que nada é tão ruim que não possa ser piorado, não é verdade? E
naquele dia, Maluco estava aí para comprovar que a frase é
poderosa. Dirigindo feito um doido pela Rodovia dos Romeiros, entrou
no desvio, no Jardim Petrópolis, por causa da construção do
viaduto no encontro das Avenidas Anhanguera e Castelo Branco,
parecendo que a Marcela estava em trabalho de parto. Nada não. Era o
jeito normal dele guiar. Sempre dando pinta de ser piloto de Fórmula
Um, o melhor motorista do mundo.
Dando
sinal de luz para todos que estavam à frente, porém nem todos dão
bola para isso e vão logo dando passagem. Maluco ferveu com o cara
que dirigia um gol, modelo antigo, daqueles da frente e traseira
quadrados, que não lhe deixava ultrapassar. Mas assim que teve
jeito, emparelhou seu carro, um Honda Civic, estalando de novo,
baixou o vidro, gritou uma enormidade de xingamentos e toda sorte de
grosserias para o outro motorista que também estava acompanhado de
uma mulher e mais dois passageiros no banco traseiro. Todos da mesma
família. Marido, mulher e dois sobrinhos.
Na
loucura que o Maluco estava, não se contentou em apenas agredir
verbalmente o outro motorista que “não disse essa boca é minha”
ao ser xingado de forma tão violenta. Maluco estava com o capeta no
corpo e sacou a pistola ponto 40, efetuou disparos, cinco no total,
na direção do carro ao lado. Resultado dessa covardia ficou assim:
duas pessoas feridas sem maiores gravidades e duas outras mortas. É
triste sim. Mas o motorista e um sobrinho que ia no banco traseiro
foram alvejados na cabeça e morreram na hora.
Como
se não tivesse sido ele o autor daquele crime bárbaro, Maluco
simplesmente pisou fundo no seu possante que respondeu muito bem ao
comando, e sumiu do lugar da tragédia. Ele e a mulher tinham
compromisso com o médico e não podiam se atrasar. Alguém que vinha
um pouco atrás dos dois percebeu a confusão e ligou para o 190. Daí
então, o trânsito ficou lento toda vida até que ambulâncias do
Corpo de Bombeiros e do Samu chegaram ao local para dar assistência
às vítimas.
Este
crime virou número frio da estatística sobre a criminalidade na
Capital goiana e, claro, serviu também para aumentar a “sensação”
de que a violência urbana está se tornando algo fora do controle
das autoridades que cuidam da Segurança Pública. Lógico que a
tragédia entrou na pauta dos programas policiais da televisão
local, com rápidas notinhas nas respectivas redes nacionais também,
além de matérias nas colunas dos jornais. Enfim, a banalização do
assassinato tornou-se apenas um fato a mais na crônica diária dos
atos violentos praticados nas ruas e avenidas de Goiânia e região.
Atenção!
Isso aqui é um texto de ficção e qualquer
semelhança com
fatos da vida real terá sido mera coincidência.
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