Nó difícil de desatar


Cileide Alves


A prisão de três estudantes, dia 24, em Goiânia, acusados de atos de vandalismo nas manifestações por melhoria do transporte coletivo, colocou em pauta mais uma grande polêmica. Os estudantes, que foram libertados na quinta-feira, graças a um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça, acusam a polícia de “criminalizar os movimentos sociais”, acusação, aliás, feita não apenas em Goiânia, já que há inquéritos policiais para identificação de responsáveis por atos de vandalismo também em outras cidades brasileiras.

A depredação de bens públicos e privados, como tem ocorrido no País desde junho de 2013, configura violação da legislação. Por isso a polícia tem aberto inquéritos contra suspeitos, caso dos quatro estudantes de Goiânia, incluindo um que não chegou a ser preso porque estava foragido.

Os líderes desses movimentos também sabem que vandalismo é crime e por esse motivo negam participação nas depredações. Nenhum assume que jogou a primeira pedra, apesar de repetirem o discurso político de que “a depredação é consequência da violência que as empresas (…) e os poderes públicos vêm impondo” aos usuários de ônibus ou que é uma “reação à violência da polícia”.

Não há como negar a forma desrespeitosa como o usuário de transporte vem sendo tratado. O sofrimento diário de homens, mulheres e crianças nos pontos de ônibus configura, realmente, uma violência imensurável. Mas um erro não justifica o outro. Os movimentos sociais erram ao optar pelas armas que dizem enxergar nos responsáveis pelo sofrimento do público e, assim, se deslegitimam junto à própria população, a principal interessada na causa por eles levantada.

De qualquer forma, a inédita prisão de manifestantes traz à tona uma questão relevante, ou seja, entender até que ponto as manifestações hoje no Brasil são apenas a luta pela afirmação de direitos, mesmo que por meios condenáveis, ou se elas expressam uma anomia. Em outras palavras, as manifestações só exigem o atendimento de demandas sociais ou revelam um sentimento generalizado de rejeição da sociedade às normas sociais e legais?

A rejeição à normalidade institucional costuma ocorrer quando as instituições públicas perdem a legitimidade junto à população, como ocorre atualmente no País. As pessoas não se veem representadas pelas Câmaras municipais, pelas Assembleias, pelo Congresso Nacional, nem mesmo pelos Executivos. Se não se reconhecem no processo político exercido dentro das instituições, elas acabam procurando novos palcos para sua expressão política e nem sempre isso ocorre pelos caminhos da normalidade democrática.

Por tudo isso é fundamental refletir sobre os efeitos colaterais da atual alienação da sociedade de suas instituições, como esse florescimento e fortalecimento de grupos políticos radicais e dos chamados “justiceiros”, que igualmente agem em desrespeito aos preceitos legais. Os políticos não representam a sociedade brasileira, mas a saída dessa crise não é o vandalismo ou a justiça com as próprias mãos. O grande desafio brasileiro agora é encontrar uma alternativa para sair desse impasse.



Jornal O Popular, de domingo, 1º de junho de 2014, pág. 7.


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