Deus e o sofrimento humano
Aos
olhos dos que não creem, tudo o que pedimos não acontece. Mas é
claro que não acontecerá. Cuidado humano é responsabilidade
humana. Os pobres só serão cuidados por Deus se nós, movidos pelo
amor concedido por Ele – que nos move para o cuidado -, cuidarmos.
Deus
não descerá do céu para fazer o que é responsabilidade humana. Da
mesma forma como não subiremos ao céu para realizar o que é
divino. O nosso lugar é a história, é o concreto do chão. É a
vida, a carne, o sangue, a terra.
Se
a nossa prece não se transformar em atitude, Deus fica
desmoralizado, e o mal continuará prevalecendo sobre o bem.
Este
é o grande ensinamento da parábola do samaritano, que está em Lc
10, 29-37. Nesta parábola, o protagonista é o próprio Deus.
Diante
de seus olhos está um de seus filhos, em condições de abandono.
Ferido, ele espera por ajuda, carece de misericórdia, de cuidados
que lhe curem as dores.
Deus
já está nesta história, sofrendo no que está ferido. Sua presença
na interioridade do ferido o anima e o apoia para que viva da melhor
forma possível aquele momento doloroso.
Deus
está com o caído em sua total integridade. É da experiência do
sofrimento da carne que Deus precisa libertá-lo. Há um risco de
vida, um sangramento que precisa ser estancando, mas este gesto
redentor só poderá acontecer na vida do sofredor se uma atitude
humana for tomada.
O
desejo de Deus para a vida do sofredor está nas mãos dos humanos
que passam por ali, na cena do acontecimento. Deus e o ser humano são
complementares na solução deste problema. A parábola nos fala
justamente deste embate entre desejo de Deus e atitude humana. É
nesta perspectiva que o texto é construído. O desejo de Deus é que
o homem seja socorrido, mas para isso Ele precisará de braços
humanos.
O
primeiro a passar pela cena é um sacerdote. Apressado com seus
afazeres, vê o necessitado, mas não o ajuda. Naquele momento, Deus
experimenta a impotência do amor ferido. O sacerdote não sente como
Deus, e Ele não pode forçá-lo ao amor. O corpo caído era o apelo,
mas ele não quis responder. O mesmo se dá com o escriba, e mais uma
vez não há resposta humana diante do sofrimento ali exposto. O
ferido continua sangrando, e Deus perde mais uma vez. Quem o
derrotou? A indiferença do escriba.
Finalmente
passa um samaritano que resolve tomar a iniciativa. Deixa-se guiar
pelo impulso salvífico de Deus, experimenta a liberdade que o
potencializa para o amor e concretiza o desejo de Deus na vida do
homem ferido. Por meio do samaritano e do dono da pensão onde o
homem ferido foi acolhido, Deus finalmente pôde agir.
O
samaritano e o proprietário do estabelecimento se prestaram a ser a
mão de Deus. Mão que foi estendida mediante a solicitação divina,
porque o amor com que amaram o homem ferido nasceu do impulso que
veio do próprio Deus.
A
intervenção compreendida desta forma retira de Deus a
responsabilidade pelo não amor. Se aquele homem continuasse ali e
não recebesse os cuidados necessários, certamente morreria.
Depois
de morto, uma pergunta desconcertante poderia ser feita pelos que não
creem: “Onde estava Deus no momento em que aquele homem necessitava
de ajuda? Onde estava a misericórdia que vocês costumam anunciar?”
Teríamos
que responder: “Deus estava sufocado no coração indiferente do
sacerdote. Estava gritando, mas não foi ouvido. Ele estava amarrado
na indiferença do escriba. Ele insistiu para que parasse, mas não
conseguiu. Deus estava de mãos atadas diante do desamor humano. Ele
estava perdendo, porque não pode nos forçar ao amor. Ele estava
indignado, abatido, do mesmo jeito como certamente ficou no dia em
que mataram o Filho Dele!”
Padre
Fábio de Melo (Texto distribuído nas missas deste domingo, na
Paróquia Santa Teresinha do Menino Jesus, na Av. Circular, Setor
Expansul, em Aparecida de Goiânia.
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