Trindade: uma cidade para turistas e romeiros, não para moradores
Cícero Oliveira: Filósofo e trindadense |
Poucas coisas escapam hoje da
normatização do comportamento pelo consumo. Em nossos dias a expressão “turismo
religioso” é sintomática na medida em que indica o quanto o espírito religioso
sincero está sujeito ao risco de ser seduzido e equacionado ao comportamento do
consumidor de “espiritualidade” e artigos religiosos. Haveria que analisar em
uma reflexão específica se e o quanto as próprias igrejas ou religiões
têm incentivado tal equação. Me parece que essa hipótese aponta para um dos
estudos mais interessantes, polêmicos e críticos a respeito de certas religiões
no contexto atual, incluindo aí as protestantes e a católica. Em todo caso, uma
coisa parece certa: em função do crescimento do “turismo religioso”, Trindade é
“politicamente planejada” não para os que aqui residem, mas para os que a
visitam. Especialmente, os que o fazem uma vez ao ano.
É espantoso para qualquer cidadão que
teve de circular por meses em ruas esburacadas (mesmo depois do período
chuvoso) ver nas vésperas da Romaria o Centro da cidade e a região que
constitui o seu “eixo turístico” ser “revitalizado” ou, poderíamos dizer,
“maquiado” no intervalo de um mês. Entre o meado de mês de maio até o recente
início dos festejos, quem circulou pela cidade viu o Centro receber uma pavimentação
fina de péssima qualidade (que o governo municipal deseja fazer passar por
“massa asfáltica”), pintura dos meios-fios, sinalização de trânsito horizontal,
além de um calçamento lateral na Avenida Raimundo de Aquino.
Aquele que se deslocar por regiões não
turísticas, e por isso mesmo não políticas de Trindade, vai se deparar com um
avultoso número de buracos que em alguns pontos tornam as vias intransitáveis.
Assim como vai poder perceber que em algumas regiões, como no Setor Monte Cristo,
o nível de negligência da gestão pública é tal que a vegetação cresce no
asfalto cujo acúmulo de sedimentos e terra já soma anos. Para algumas vias não
é exagero dizer que, considerando-se os lados direito e esquerdo, quase metade
de sua área está tomada pela vegetação.
Nesse mesmo setor, para ficarmos com
apenas um caso, começou a operar no primeiro semestre do corrente ano o
Instituto Federal Goiano; uma importante instituição de ensino que oferece
educação escolar e profissional de qualidade para estudantes de Trindade e
região. Não obstante a extraordinária conquista que essa instituição representa
para o Município e apesar da qualidade de suas instalações, justamente no ponto
de entrada a via que lhe dá acesso e que constitui o ponto de intersecção dos
setores Cristina Expansão e Monte Cristo (uma faixa de terra que não tem mais
do que 15 ou 20 metros) não tem e não recebeu asfalto na última “operação tapa-buracos”.
Uma operação que curiosamente contemplou apenas um lado da via dupla situada de
frente para a instituição. A segunda parte da via, em interface com o
estacionamento do Instituto Federal Goiano, possui uma cratera que seria um elogio imperdoável chamar de buraco.
Um das cenas mais bizarras que
presenciei nos últimos tempos foi observar durante as frequentes idas e vindas
para Goiânia o zelo com que o Governo do Estado de Goiás (em sintonia com o espírito
político do “turístico religioso” de Trindade) conduziu a “revitalização” da
Rodovia dos romeiros. O trecho de 18 km de pista está agora impecável: a grama
esmeralda dos canteiros laterais e centrais foi aparada, as imponentes
palmeiras que no ano passado foram plantadas ao longo dos 18 km da via já estão
regadas, a iluminação foi reparada, a sinalização horizontal foi repintada e a
terra deslocada pelo vento foi recolhida dos cantos dos meios-fios – para não
acumular vegetação! Mesmo os guardrails
instalados por toda a rodovia duplicada foram lavados! Isso mesmo: foram
caprichosamente lavados com água, esponja e sabão por um sem-número de
trabalhadores. Diante da cena inusitada fiquei pesaroso por não usar um smartphone com câmera de alta resolução.
Ao fim de laboriosos esforços
políticos, romeiros e turistas religiosos chegam a Trindade. Se não fosse pelo
testemunho dos residentes e dos problemas que não podem deixar de emergir mesmo
nos momentos de festa e celebração, é bem provável que voltariam para suas casas
pensando que as rodovias de Goiás e o município de Trindade são o que aparentam
ser no período de festa, no qual são reunidos mais de um milhão de eleitores
que por acaso são também turistas e devotos do Divino Pai
Eterno.
Cícero
Oliveira é Doutor em filosofia
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