Entrevista: José Carlos de Almeida, urologista
A
saúde do homem brasileiro é preocupante
Urologista
especializado em câncer de próstata, defende mudança de
comportamento dos homens que devem consultar o médico com maior
frequência
José
Carlos de Almeida é goianiense, com familiares em Trindade. Formado
em medicina na Universidade Nacional de Brasília (UNB), em 1980,
José Carlos é especialista em Urologia, com especialização na
Universidade de Harvard (Boston, Estados Unidos da América), com
doutorado também na UNB, cuja tese foi baseada em pesquisa sobre
câncer de próstata. Lá se vão 35 anos no exercício da medicina
e, com essa bagagem toda, José Carlos esteve no Rotary Club de
Trindade na quarta-feira (25) quando falou sobre o que mais entende,
cuidados com a saúde do homem, sobretudo enfocando o câncer de
próstata. Veja a seguir os principais trechos da entrevista
exclusiva para o Blog do Sérgio Vieira.
Estamos
no Novembro Azul, como é que anda a saúde do homem brasileiro?
Dr.
José Carlos –
A saúde do homem brasileiro é preocupante, porque nós achamos que
as atitudes e os projetos do Ministério da Saúde devem ser mais
pró-ativos, devem abarcar todo o território nacional, devem
oferecer acesso realmente a esse homem, devem
informá-lo melhor sobre os riscos a sua saúde como um todo. Então,
eu acredito e espero que o Ministério da Saúde, assim como as
Prefeituras e os governos
estaduais abracem a causa do homem de uma forma ampla, permanente e
não só o Novembro Azul,
mas o ano inteiro. Os Postos de Saúde possam permitir que o homem
procure, em horário alternativo, um especialista, que ele possa
dissipar suas dúvidas de ordem sexual, que ele possa ter a confiança
no profissional de Saúde e que ele realmente tenha amparo das
instituições governamentais e, acredito, que tenha que ser feito um
esforço muito grande nas esferas federal, estadual e municipal para
que esse homem
realmente
seja lembrado. Ainda falta muito e nós acreditamos que algumas
medidas estão sendo feitas no âmbito municipal, de alguns locais,
mas que estão muito longe do
ideal.
A
gente percebe que falta na rede pública de Saúde uma maior oferta
de serviços aos homens, mas e quanto à iniciativa do homem mesmo em
procurar tratamento ou prevenção?
Dr.
José Carlos –
Essa
é outra barreira. O que nós vivemos é um binômio muito ruim,
nefasto mesmo, que é a resistência do homem a procurar assistência
e uma certa omissão das instituições governamentais. E isso é
ruim porque o homem desinformado e não sensibilizado, ele se afasta
mais ainda do cuidado com a sua saúde e nós acreditamos que o que
pode reverter esse binômio é informar, é orientar esse homem, é
fazer com que ele quebre essa resistência e isso há que se ter
esforço, há que se fazer documentos, panfletos, orientação,
mídia, para que esse homem entenda a necessidade dele de cuidar, e
cuidar significa descobrir doenças mais cedo, doenças precoces que
possam ser revertidas e não ir ao hospital
quando tem sintoma e lá ele vai descobrir uma doença avançada.
Isso não ajuda em nada, isso é ruim. Então, há que se
sensibilizar este homem e, falo mais, o homem por mais humilde que
seja nesses
rincões brasileiros aí e no interior, ele se sensibiliza quando ele
é informado, ele entende quando a mensagem é direta. Então, nós
temos de
cumprir
a nossa parte de informar, orientar, mostrar o caminho e eu acho que
só nós vamos quebrar a resistência desse homem para ter
maiores cuidados com a sua
saúde.
Qual
seria hoje a principal mensagem para o público masculino?
Dr.
José Carlos –
A principal mensagem para o público masculino é que ele fique
atento aos hábitos de vida que ele pratica, que ele não exagere nos
hábitos de fumar, de beber e que procure se cuidar. O procurar se
cuidar é estar próximo de um cardiologista, de um clínico geral ou
de fazer avaliações periódicas após os 45, 50 anos.
Esse
periódico seria de quanto em quanto tempo?
Dr.
José Carlos –
Depende de caso a caso. Tem pacientes que têm
um componente genético favorável [a
desenvolver a doença],
tem pacientes negros [também
mais propensos à enfermidade],
tem paciente que já tem uma predisposição genética de maior risco
para ter determinadas doenças, inclusive o câncer de próstata.
Então, tem pacientes que vão ao médico
de 6 em 6 meses, tem pacientes que vão anualmente, tem pacientes que
podem ir de 3 em 3 anos. Para isso não existe um protocolo
definitivo. Nós pedimos a esse paciente para ir anualmente ao
médico, porque nós não vemos no paciente só próstata. O
paciente, quando vai ao médico, ele oferece uma oportunidade para
esse profissional o examinar como um todo. Não é só próstata.
Então, ele indo anualmente, ele vai ser orientado a ir ao
proctologista, porque se ele tiver um problema proctológico ele vai
ao especialista; se ele tiver um problema cardiológico, se ele tiver
vitamina D baixa, ele repõe; se ele tiver disfunção sexual ele é
avaliado; se ele precisar de hormônio, ele vai ser assistido nessa
necessidade; se ele tiver alguma disfunção erétil, ele vai
discutir isso com o médico. Então, nós vemos o organismo inteiro,
nós não vemos só próstata. É recomendável para essa proteção
integral para
a saúde do homem, ele procurar anualmente, pelo menos
uma vez, um profissional da Saúde que possa dar a ele essa amplitude
de proteção.
Saiu
agora uma notícia dando conta de uma crítica nessa questão de se
ter câncer e se mexer, fizer cirurgia, a qualidade de vida do
paciente cai demais e meio que sugerem que, em determinados casos de
câncer, é até melhor deixar lá. O que o senhor pensa? Chegou
a ver essa matéria?
Dr.
José Carlos –
Eu acho uma temeridade você generalizar, você tem pacientes, que
não
é frequente mas existem pacientes com 47, 48 anos com câncer de
próstata. Ainda bem que é uma minoria, porque se nós formos
atender a esse apelo de determinadas instituições que estão
propondo que o homem procure o médico só quando tem sintoma, ele
vai tardiamente. Como eu disse, ele vai quando ele tiver com doença
metastática óssea e com dor óssea. Então, a medicina
não contempla esse lapso de atenção, não contempla essa
negligência. A medicina evoluiu para dar proteção ao ser humano e
não simploriamente eu dizer a ele “você só procura o médico
quando você tiver sintoma”. Eu posso dizer isso para uma senhora
que tem um nódulo na mama? “Você só procura um médico quando a
senhora tiver sintoma, quando a senhora tiver
dor,
quando tiver infecção, quando tiver algum outro problema...”. O
câncer não dá sintomatologia. Nem um câncer, inicialmente, dá
sintomatologia. O câncer vai dar sintomatologia ao final, do meio
para o final da doença. Tem um ciclo a doença. Então essa
informação é um desserviço para a sociedade como
um todo. Nós não preconizamos um rastreamento de próstata
obrigatório, nós fazemos uma avaliação ocasional, nós deixamos o
paciente à vontade, o orientamos dos prós e contras dessa
necessidade dele fazer o “check-up”. Nós não tratamos
desnecessariamente o doente, nós tratamos quando há embasamento,
quando o paciente corre risco de ter deteriorada a sua vida, quando
esse câncer dá risco de invadir a bexiga e o paciente ter
sangramento. Ou seja, nós temos que poupar os riscos e não deixar o
paciente seguir à mercê da sorte e depois chegar a um hospital
tardiamente e sofrer um tratamento paliativo. Então, a medicina é
contra essa informação. Os exames de imagens, os exames
laboratoriais todos tentam precocemente dar o diagnóstico. Então,
acho que não foi feliz esse posicionamento. Nós acreditamos que o
PSA realmente é um exame limitado, é um exame que nós não
confiamos 100% nele, mas ele ao longo do tempo, feito anualmente, nos
dá sinais, porque ele altera. Se ele estiver subindo muito, ele nos
sinaliza algo mais, de maior risco. E outra coisa, o Antígeno
Prostático Específico (PSA),
sozinho, não tem validade. A
gente examina a próstata, ou seja, nós tentamos dar ao paciente a
proteção que ele precisa. Agora, dizer ao paciente para procurar [o
médico] quando tem sintoma isso é colocá-lo num armadilha. Eu não
só estou ajudando esse homem, como estou levando ele para um beco,
com uma doença incurável, e isso não se faz. Realmente, a
Sociedade Brasileira de Urologia e eu, pessoalmente, não
compartilhamos dessa omissão, desse tipo de postura que, muitas
vezes, por trás dela está o custo governamental de fazer a
prevenção necessária para esse homem, porque se eu for estabelecer
um protocolo de proteção ao homem, para que ele vá ao serviço do
Sistema Único de Saúde (SUS), todo ano fazer uma avaliação da sua
saúde como um todo, não só do câncer de próstata, eu vou impor
risco de custo aumentado para o governo. Então, nós temos que
avaliar isso também. Qualquer medida que eu estabeleça e massifique
para a população, envolve custo. Agora, não querer gastar e dizer
“procure só quando
tem sintoma” aí eu vou gastar mais porque eu vou gastar numa
doença incurável, sem solução e sem resultado, e isso é
realmente contraproducente, socialmente falando.
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