Nem só de crise econômica e política vive o homem
Aproveitemos
da Quaresma para fazer as pazes com os oponentes. Unidos, na
esperança, mesmo com posições outras, venceremos estes tempos
difíceis.
Ainda
que o pão tenha faltado em nossas mesas e a recessão econômica
trazido sucessivas demissões aos trabalhadores: precisamos resgatar
a virtude da esperança, que tem pelejado bastante, na contramão de
toda desesperança. Quem confia em Deus não se deixa dominar por
nenhum desassossego nem fraquejar pela angústia. Pode até ficar
momentaneamente balanceado frente aos alarmismos difundidos à
velocidade da luz. Mas, ao perceber a precipitação das
adversidades, o esperançoso trata de recobrar o ânimo e rechaçar a
iminência do perigo vão. Isso porque, no Pai Eterno, reside a sua
esperança derradeira. Lá no interior da alma ressoa a voz de Deus
que a tudo serena e pereniza: “Sejam firmes, fortaleçam o coração,
todos vocês que esperam no Senhor” (Salmos 31: 30,25).
Para
além da mera ilusão ou da pura fantasia é a esperança quem nos
salvará destes tempos críticos. Não há possibilidade de subirmos
para o alto das montanhas, muito menos de buscarmos isoladamente em
um mundo à parte. Todos somos atingidos pela gravidade da
circunstância instalada sobre o país. Mesmo que a cultura
brasileira seja tão suscetível ao individualismo, participamos de
uma coletividade tecida socialmente. O momento solicita temperança
nos dizeres e bastante prudência nas atitudes. A responsabilidade da
fé nos convida a não compactuar com as forças opostas que têm
prestado um verdadeiro desserviço ao Brasil. Muito do que vemos,
desde a transição democrática, pode ser tido como a nefasta
manifestação da 'não política'. São forças vis pelo fato de
trocarem um projeto de serviço à sociedade por um projeto de poder
a todo custo. Ali, interesses coletivos ficam submetidos a interesses
privados, sobretudo, de ordem financeira. Ao invés de vencer, perde
quem age pelo certificado da esperteza; que, às escondidas, faz
concessões imorais em função de si e dos seus.
Pobres
em situação de rua sendo assassinados na calada da noite... Doentes
morrendo à míngua nos corredores dos hospitais... Cidadãos tendo
seus direitos sociais, trabalhistas e previdenciários
sistematicamente negados... Mulheres ameaçadas e espancadas por seus
maridos... Famílias inteiras enlutadas e vitimadas pela ausência de
segurança pública... Negros e pardos mortos à luz do dia nas
periferias... Racistas e xenófobos exalando preconceito pelas redes
sociais... E, em meio a tudo isso, as pessoas continuam duelando por
legendas partidárias, quando necessariamente poderiam lutar pela
instituição, criação e proteção de direitos. Nasce daí a
calamitosa divisão. Ninguém se ouve, só se ataca. O diálogo é
exilado da convivência comunitária. Cada um parece sucumbir ao
domínio último da razão e à totalidade primeira da verdade. Já
não há o benéfico encontro de ideias, apenas o maléfico confronto
de oposições. No campo das divergências, adversários políticos
tornam-se inimigos públicos, conforme os reveses da história.
Outros fazem alianças espúrias, cujo objetivo é a velha troca de
favores a ferir a alma da democracia.
Enquanto
isso, a cartilha da crise nos é imposta goela abaixo, despedaçando
o dom da esperança. O linguajar alarmista do mercado financeiro tem
feito com que o significado da palava 'crise' seja enfocado somente
no lugar restrito das dificuldades e não na importante condição
das oportunidades. Crise também consiste no momento decisivo de
crescimento moral e de cidadania responsável. Pelo bem da nossa
'casa comum', não nos despedacemos. Revanches e contendas são
caminhos tortuosos, onde muitos esforços se perdem devido à
grosseria das posições extremadas. Aproveitemos da Quaresma para
fazer as pazes com os oponentes. Unidos, na esperança, mesmo com
posições outras, venceremos estes tempos difíceis. Passadas as
cruzes, eis que se arvora a ressurreição!
Uma
sociedade repartida tende a amuralhar-se sempre mais. Muros são os
grandes responsáveis pela desesperança presente. Quem espera
confiante não precisa criar cercanias para se proteger dos conflitos
da vida. Do contrário, rompe com as muralhas para sair em defesa do
bem coletivo. O remédio salutar para a crise atual está nas doses
homeopáticas da democracia participativa e não meramente
representativa. Esperamos, pois, não nos redutos de nossas casas,
mas de preferência em cima dos muros. Do alto enxergamos os dois
lados que se gladiam. De lá, poderemos orientá-los na esperança
que ultrapassa todas as divisas! Se for para tomar partido, que
escolhamos sempre pela esperança.
Pe. Robson de Oliveira Pereira é Superior Provincial
dos
Redentoristas de Goiás e Presidente-fundador da Afipe.
Extraído do jornal Santuário Basílica do Divino Paí Eterno,
Edição Março de 2016.
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