O fim anunciado dos direitos trabalhistas
por Clara
Lis Coelho, Felipe Vasconcellos e Flávia Pereira
O
Brasil segue em direção a uma das fases mais tenebrosas do Direito
Trabalhista
Ilustração: foto extraída do site Meus direitos Trabalhistas |
Com
a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, vários direitos dos
trabalhadores ficam ameaçados. Garantias antes protegidas passam a
ser chamadas de privilégios e correm o risco de deixar de existir
apenas para aumentar o lucro dos empresários.
O
texto, aprovado às pressas pelo governo Temer, não considerou a
complexidade do tema, carecendo de um debate com a sociedade e
privilegiando apenas um setor que a compõe: os patrões.
Um
dos pontos mais polêmicos diz respeito à gratuidade da Justiça
Trabalhista. Por apenas exigir uma autodeclaração de pobreza, o
acesso ao processo trabalhista é reconhecidamente um dos mais
democráticos. Com as novas alterações, caberá aos juízes do
trabalho decidir se concedem o benefício aos empregados que ganham
em média R$ 2 mil mensais. Como se não bastasse, os empregados
ainda pagarão as custas por arquivamento de reclamação e deverão
assumir honorários periciais e advocatícios caso percam a ação,
algo que só existe no Direito Civil. Essas exigências não existiam
anteriormente e, na prática, deixam o processo trabalhista oneroso e
inviável para a maior parte da população.
Em
relação aos direitos das mulheres grávidas e lactantes há outro
retrocesso. A reforma permitiu que trabalhadoras lactantes ou
gestantes trabalhem em ambientes insalubres, condicionando o
afastamento à apresentação de atestado médico, permitindo-se,
assim, um evidente prejuízo à saúde da trabalhadora.
Há
mudanças também quanto ao regime parcial de trabalho. A jornada
máxima passa de 25 para 30 horas semanais, admitidas horas extras
quando a jornada for de até 26 horas semanais. Ou seja, pode ser
considerado trabalhador a tempo parcial aqueles que trabalham até 32
horas numa semana, sem garantia de um salário mínimo sequer.
Sobre
o banco de horas, a reforma permite que um simples acordo individual
entre patrão e empregado retire direitos dos trabalhadores
garantidos hoje por lei. Assim, poderá haver acordo individual para
estabelecer banco de horas com compensação em até 6 meses,
possibilitando jornadas mensais superiores a 220 horas.
Outro
aspecto polêmico gira em torno do “Negociado sobre o legislado”.
Um acordo coletivo poderá suprimir direitos relativos à saúde e
segurança do trabalho, garantias constitucionais e legais como o
intervalo mínimo de uma hora para refeição e descanso para quem
trabalha mais de 6 horas por dia, que pode ser reduzido para apenas
30 minutos.
No
contrato intermitente, o trabalhador permanece à disposição do
empregador sem ganhar um tostão, sendo remunerado apenas quando o
empregador requisite os serviços, não havendo ajuste prévio da
quantidade mínima de horas a serem cumpridas em cada mês e do valor
remuneratório mensal mínimo a ser recebido. A pena para o não
comparecimento do trabalhador é de multa.
Tele-trabalho
é uma outra falácia. Travestido de benefício, essa nova categoria
de trabalho não estabelece regras para controle da jornada de
trabalho do empregado, que deixará de computar as horas extras
realizadas e intervalo para descanso e refeição.
Haverá
também a possibilidade de demissão sem garantias. Com a reforma,
não será necessária a assistência do sindicato ou autoridade do
Ministério do Trabalho e Emprego para validar a demissão e a
homologação passará a ser realizada de forma direta na CTPS do
trabalhador.
Como
se não bastasse, haverá uma limitação do dano moral. A reforma
limita o valor dos danos morais que podem ser pedidos na justiça do
trabalho, de modo que o dano moral de quem ganha mais, vale mais, e
dano moral de trabalhador que tem salário baixo consequentemente
será mais baixo. É a lei dizendo que o valor do salário pode
discriminar.
O
mesmo ocorre com o chamado “trabalhador hipersuficiente”. De
acordo com a reforma, caso o trabalhador tenha formação superior e
ganhe salário superior a R$11 mil, seu contrato terá valor de
convenção coletiva, podendo prevalecer sobre a lei e
impossibilitando o questionamento de cláusulas que considere
injustas na Justiça do Trabalho.
Além
de todas as alterações macabras citadas acima (e tantas outras tão
tenebrosas quanto essas) haverá o enfraquecimento da organização
dos trabalhadores. A reforma retira força das entidades sindicais
acabando com a obrigatoriedade da contribuição sindical, permitindo
a dispensa coletiva sem negociação com sindicatos, demissão sem
necessidade de homologação sindical e ainda admitindo representante
no local de trabalho sem participação sindical no processo
eleitoral.
As
alterações das leis trabalhistas vieram para atender demandas do
setor empresarial. O lucro das empresas é importante, claro. Mas não
deve ser motivo para desconstruir direitos e garantias conquistadas
com muita luta ao longo de séculos. O Brasil segue em direção a
uma das fases mais tenebrosas do Direito Trabalhista, assim como já
ocorre no meio ambiente, setor energético, previdência e outros
setores que estão sendo entregues à iniciativa privada.
Clara
Lis Coelho, Felipe Vasconcellos e Flávia Pereira são advogados de
entidades sindicais do escritório Advocacia Garcez.
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