ENTREVISTA: Especialista esclarece pontos sobre Reforma da Previdência
A
reforma da Previdência está na pauta do governo federal. E a
expectativa do Palácio do Planalto é de que ela seja votada na
Câmara ainda este ano.
Enquanto
isso, o presidente Michel Temer articula sua base no Congresso e
mobiliza a equipe econômica para construir um texto consensual, mais
enxuto e passível de aprovação. Algumas mudanças no regime de
aposentadoria serão propostas como forma de desafogar as contas da
União com a Previdência nos próximos anos.
Hédio Júnior, da Agência do Rádio Mas, entrevistou o professor da PUC-Rio, economista da Opus Gestão de Recursos e um
dos principais especialistas do assunto no país, José Márcio
Camargo, que falou sobre a proposta de reforma da Previdência no Brasil.
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José Márcio Camargo, economista. (Foto: O Estadão). |
Professor,
para começar, quais são os pontos fundamentais, os pilares de uma
reforma da Previdência?
Olha, tem dois pontos que eu acho que são fundamentais. O primeiro
ponto é a questão fiscal. O Brasil hoje gasta 14% do PIB com
Previdência Social, tem 8,5% da sua população com mais de 65 anos.
O Brasil gasta hoje 55% de todo o orçamento federal com
aposentadoria e pensão com estes 8,5% da população com mais de 65
anos. Ou seja, os outros 90% da população ficam com 45% do
orçamento público do país. Isso claramente não é justo, certo? O
segundo pilar importante da reforma da Previdência é reduzir
privilégios, é tornar o sistema mais igualitário. Só para te dar
um exemplo: nos últimos 15 anos, a Previdência dos funcionários do
setor público gerou um déficit
um
trilhão 290 milhões de reais, somatório de 15 anos do déficit
– não foi o total de gasto, foi o déficit
– da Previdência do setor público. Isso é 50% a mais do que tudo
que o governo federal gastou com educação. Isso é mais do que tudo
que o governo federal gasta com saúde. A Previdência no setor
público atende a um milhão de pessoas. A saúde no Brasil atende a
200 milhões de pessoas. É claro que existe um problema de equidade
envolvido nesse processo. Alguma coisa tem que ser feita.
É
preciso limitar a aposentadoria do funcionalismo ao teto do INSS?
Certamente era necessário unificar os dois sistemas. Não faz o
menor sentido que os funcionários públicos tenham um sistema de
Previdência tão mais benevolente que o sistema de previdência dos
trabalhadores do setor privado - que já é bastante benevolente para
os padrões internacionais. Mesmo o INSS já é bastante benevolente
para os padrões internacionais, dado o nível de renda da população
brasileira. Mas o sistema de previdência setor público é
inacreditavelmente benevolente.
Uma
informação que vem sendo repetida é de que não há déficit na
Previdência. Onde há uma verdade ou uma inverdade nessa afirmação?
Olha,
tem uma questão de definição. Eu chamo de déficit
quando a receita do sistema é menor do que a despesa do sistema.
Isso para mim gera um déficit.
Essas pessoas que dizem que não há déficit,
dizem o seguinte: na Constituição está dito que o sistema de
Seguridade Social inclui uma série de impostos IPI e etc. Está
certo? E esses impostos deveriam ser, dada a Constituição, a
receita desses impostos deveria ser feita de impostos utilizados para
financiar a Previdência, a saúde e assistência social. Acontece o
seguinte: o déficit
da Previdência é tão grande que não sobra dinheiro da saúde. Eu
acabei de falar. Gasta-se mais com a Previdência do setor público
do que com saúde da população brasileira como um todo. Ainda
assim, se você faz a conta direito está certo que existe déficit
na Seguridade Social. Então, é esse o problema.
Que
parte da população seria a mais afetada pela definição de uma
idade mínima para aposentadoria?
A
definição de uma idade mínima para aposentadoria afeta,
principalmente, os funcionários públicos, por um lado, que já tem
uma idade mínima, mas que é muito baixa – de 50 anos para
mulheres e 55 anos para homem. Então o aumento da idade mínima no
caso dos funcionários públicos e a criação de uma idade mínima
no caso do INSS afeta, principalmente, os funcionários públicos e
os trabalhadores do setor privado que contribuem para o INSS que
estão entre os 10% mais ricos da população brasileira. Porque os
pobres se aposentam por idade aos 65 anos porque não conseguem
contribuir com 35 anos para aposentar por tempo de serviço. Então
são fundamentalmente os 20% mais ricos que vão ser afetados pela
aposentadoria por idade.
Que
lição estados como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul podem dar ao
restante do país no que se trata da reforma de Previdência e dos
gastos públicos?
Basta
ver o que está acontecendo com o estado do Rio, e o que está
acontecendo com o estado do Rio Grande do Sul. Os estados não têm
dinheiro para pagar suas aposentadorias porque com a aposentadoria
dos funcionários públicos o sistema é muito generoso. Simplesmente
a arrecadação não cobre a despesa. Exatamente porque os estados
não podem emitir moeda, eles têm que estar dentro do orçamento.
Então, o que aconteceu com o estado do Rio de Janeiro é que o
orçamento, a quantidade de receita que o
estado
tem é menor que a quantidade de despesas ele tem. Consequentemente
tem que cortar em algum lugar. Como 90% é funcionário público,
pensão e aposentadoria e salário de funcionário público, não tem
jeito de não cortar de salário de aposentadoria do funcionário
público. O estado do Rio de Janeiro chegou nesse ponto, o estado do
Rio Grande do Sul chegou nesse ponto e o Brasil vai chegar se não
tiver uma reforma do sistema de aposentadoria. A opção é voltar a
ter uma hiperinflação como a que nós tivemos nos anos 80, início
dos anos 90, ou dar um calote como aconteceu no Plano Collor. Essa é
a opção que o Brasil tem, não tem outra.
Há
um risco dos aposentados e pensionistas do funcionalismo federal,
inclusive, ficarem sem receber, como já está acontecendo nesses
estados?
Certamente
é uma questão de onde não tiver dinheiro, não tem dinheiro. O
governo federal tem uma saída que é gerar uma hiperinflação. Isso
transfere o ônus principalmente para os mais pobres que não
conseguem se proteger da inflação, como nós vimos nos anos 80 e no
início dos anos 90.
Isso
refletiria, também, no aumento de impostos?
Outra opção é aumentar imposto, mas na trajetória que vai a
Previdência não tem imposto que aguente. Porque 100% do orçamento
vai ter que ser dedicado à Previdência. Hoje a gente já tem uma
carga tributária de 36% do PIB. Ou seja, nós vamos ter que pagar
100% da renda de imposto para poder sustentar a Previdência Social
dentro de 30 anos. Não é possível.
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