Existe privacidade na internet?
A
atitude correta frente à incerteza da segurança digital é uma só:
não tenhamos algo a esconder
Antoine Youssef Kamel: Privacidade é quase impossível. (Foto: Divulgação) |
Há
um princípio na área da segurança militar que diz: o ataque está
sempre à frente da defesa. Em termos práticos, o avião de guerra
com a melhor blindagem pode resistir à artilharia antiaérea, mas
não permanecerá no ar se o inimigo tiver a melhor arma. Em outras
palavras, enquanto se prepara uma proteção contra a arma mais
poderosa atualmente, o desenvolvimento bélico já terá dado um
passo à frente e, contra o mais novo ataque, a defesa estará
despreparada. Assim, o ataque será sempre mais forte do que a
defesa.
Esse
princípio vale também para a segurança digital, a segurança na
internet. Na verdade, o princípio da segurança na internet é: “se
querem uma informação sobre você, e você está conectado à
internet, vão conseguir essa informação”.
A
questão é: quantas pessoas estão preocupadas em saber alguma coisa
sobre você, sobre a sua vida?
Um
usuário comum da internet — eu e possivelmente você, por exemplo
—, mesmo com cuidados de navegação e precauções básicas
esperadas, não está livre de ter invadida aquilo que considera sua
privacidade
on-line.
Um hacker conseguiria burlar a segurança desse usuário e ter acesso
a contas de serviços on-line se tivesse interesse. Basta lembrar de
autoridades que tiveram contas ou dispositivos invadidos, ou de
personalidades cujas fotografias íntimas foram acessadas e
publicadas sem autorização.
Não
importa o grau de confidencialidade de uma informação, o ataque
está sempre um passo — pelo menos um passo — à frente da
defesa.
Na
divulgação das conversas entre o juiz Sérgio Moro e o procurador
Deltan Dallagnol, por exemplo, foi mencionado o aplicativo de
mensagens utilizado. Esse aplicativo utiliza comunicação
criptografada, o que o torna relativamente seguro. Ainda que não
tenha havido nenhuma falha de segurança no aplicativo que permitisse
acesso ao conteúdo por terceiros (hackers), as informações podem
ter sido divulgadas por algum dos envolvidos nas conversas. Mesmo que
mensagens transmitidas on-line fossem literalmente
impossíveis de
serem interceptadas e decifradas (o que não são), se o inimigo
estiver na linha, ele não precisa burlar nenhuma medida de segurança
para ter acesso.
Ademais,
ainda que os interlocutores sejam confiáveis, de nada adianta ter os
melhores recursos tecnológicos de segurança digital de comunicação
se os aparelhos que trazem o conteúdo não são também protegidos
por senha e criptografia, ou se são emprestados para alguém,
furtados ou roubados. Melhor ainda, que as mensagens sejam lidas e
apagadas, sem backup nenhum, diminuindo a chance de outras pessoas
terem acesso a elas — com o contraponto de o usuário também
perder a sua própria mensagem, ficando apenas em sua própria
memória.
Pode
ser que hoje ninguém queira saber algo sobre nós, e assim nos
sentimos seguros. Mas um hacker experiente pode devassar o conteúdo
da vida que demonstramos on-line, na internet, mesmo que pensemos que
estamos compartilhando apenas com amigos ou que só estejamos
guardando para nós mesmos.
Assim,
a privacidade na internet não é um mito, mas é praticamente
impossível.
O
teclado inteligente que temos no celular, que nos corrige e sugere
palavras, consegue esse feito porque captura e guarda tudo o que
digitamos. O servidor gratuito em que guardamos nossas fotos, vídeos
e documentos de toda espécie (Dropbox, Google Drive, OneDrive), tem
por trás uma grande empresa, e sabemos o que move as empresas. Se
nossos dados estão seguros ali, é porque hoje, para elas, a imagem
positiva no mercado e a informação que guardam para si rendem mais
dividendos (dão mais lucro) do que vazar na internet o conteúdo de
seus usuários.
A
atitude correta frente à incerteza da segurança digital é uma só:
não tenhamos algo a esconder.
Pois
se divulgarem tudo que temos e tudo que fazemos na internet, nossas
fotos, nosso histórico de navegação, nossas mensagens familiares,
no máximo conheçam os quatro cantos de nossa casa, saibam onde
passamos as férias, vejam fotos de nossos filhos brincando, deem
risada de nossas discussões em grupos de trabalho e estranhem como
nos divertimos com coisas simples. E, no fim, apenas passemos receio
e vergonha pela abertura de nossa vida, mas que nada nela e,
especialmente, nada do que registramos eletronicamente, possa ser uma
arma contra nós.
Mário
Quintana já disse: “Sorri com tranquilidade/ Quando alguém te
calunia/ Quem sabe o que não seria Se ele dissesse a verdade...”
(poema Da
Calúnia)
Antoine
Youssef Kamel
é coordenador adjunto do curso superior tecnológico em Investigação
Profissional do Centro Universitário Internacional Uninter.
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