Diretor
de A Menina Bonita do Laço de Fita no Cerrado Goiano fala dos
desafios de realizar uma peça em tempos de pandemia
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Rômulo Santiago, ator e diretor. (Foto:Divulgação) |
Rômulo
Santiago é ator, diretor e produtor cultural. Em entrevista ele
apresenta o processo criativo para a elaboração da peça, revela
situações que o motivaram a abordar temas como o preconceito racial
e apresenta um novo olhar sobre o teatro em tempos de reclusão
social. Ele também aborda sobre seu comprometimento em tornar o
processo de montagem e apresentação do espetáculo algo divertido e
destaca seu nível de cuidado nestes meses atípicos. “Tenho feito
tudo com respeito, diálogo e na energia de cuidar do outro”,
revelou o diretor na entrevista ao jornalista Inã Zoé. Veja a
seguir.
De
onde surgiu a ideia de realizar a peça A Menina Bonita do Laço de
Fita? É uma adaptação, não é verdade?
A
ideia surgiu quando eu era seminarista. Um dia fui visitar minha avó
e na convivência comecei a reparar um dos meus tios dizendo: “Não
gosto de negros”. Achei estranho uma pessoa falar daquela forma e
com tanta raiva. Depois presenciei uma situação em que um ser
humano preparou um lugar para a funcionária comer separada da casa,
e a escolha foi um canto perto da casinha dos cachorros. Observei
aquela cena e achei bizarra, mas quando refleti o porquê daquela
mulher estar naquela situação tudo ficou claro. Ao ouvi-la ela me
disse: “Sou negra filho, eles dizem que devemos amar o próximo,
mas na verdade quem tem cor não entra na lista.” Naquele momento
nascia em mim uma vontade de fazer algum trabalho sobre a luta contra
o preconceito racial. A Menina Bonita do Laço de Fita tomou forma
quando comecei a trabalhar em espaços públicos e senti uma
necessidade de buscar mais informações para mudar esta maneira de
tratar as pessoas. As crianças, em especial, foram minha motivação
para o trabalho de consciência diante do papel do negro na
sociedade.
Então
é a primeira vez que vocês apresentam ao público este espetáculo?
Na
verdade, não. A primeira montagem foi no CEU Das Artes, em Trindade,
com crianças de 6 a 10 anos. Foi uma experiência que me fez
aprender muito sobre esta temática do ponto de vista social e
educacional. Agora estamos criando um novo formato dentro da
realidade atual. Meio que podemos chamar de Teatro Pandêmico.
Quer
dizer que houveram algumas mudanças significativas (em relação a
peça anterior)? Qual a proposta de ambientar a peça no Cerrado
Goiano?
Sim,
tivemos mudanças em relação a primeira apresentação; até mesmo
pelo fato de eu ver as coisas com mais maturidade e entendimento.
Escolher o Cerrado Goiano como pano de fundo foi um caminho para unir
um tema social literário educacional com algo de nossa cultura
regional. A proposta de ambientação em Trindade especificamente, é
uma busca pela valorização da natureza que cobre os arredores da
cidade.
Me
fale um pouco sobre a seleção dos atores.
A
escolha desse elenco partiu de uma tomada de consciência. Sempre fui
muito envolvido com os processos do teatro e só foi em 2018, com
minha volta ao Brasil, que fui conhecer pessoalmente uma atriz negra.
Logo já comecei a pensar: gostaria de realizar um trabalho de peso e
com poder de fala. A escolha e seleção partiu da
representatividade.
Qual
o papel da Lei Audir Blanc neste processo?
A
lei Aldir Blanc foi extremamente importante para mostrar um trabalho
pensado, planejado e satisfatório para os artistas. Uma esperança
de que a arte pode ser valorizada, democrática e respeitada como um
trabalho.
Quais
as mudanças foram necessárias para conseguir entregar um material
legal em um cenário de pandemia? Quais os cuidados você tem tomado
como diretor e produtor?
A
mudança necessária foi olhar diferente para a dramaturgia teatral e
perceber os sinais de uma nova dramaturgia que dialoga com as
tecnologias. São novas formas de contar e interagir com as
histórias. Os meus cuidados continuam. Sigo consciente de que ainda
não passou por completo esse momento. Tivemos que reduzir muitos
ensaios presenciais, porém nos conectamos digitalmente. Tenho feito
tudo com respeito, diálogo e na energia de cuidar do outro. Como
produtor, tenho tomado cuidado em perceber os detalhes, como funciona
a forma de se relacionar pelas mídias sociais, por exemplo. Como
diretor, o cuidado em assumir 90 por cento de fazer ser um trabalho
legal é divertido!
Alguns
temas são bem marcantes na peça. Que narrativas e questões sociais
receberam mais ênfase?
Temos
dado ênfase na discussão social proposta na literatura como a
aceitação e representatividade da criança negra. Mas nessa nova
montagem também vamos abordar o afrofuturismo, a importância de se
reconhecer negro na sociedade, tanto pelo olhar da criança quanto
pelo do adulto, e a luta contra o preconceito.
Possivelmente
esta peça precisou ser pensada tanto para o teatro de palco quanto
para o digital? Como fazer tudo isso funcionar bem?
Primeiramente
que no palco a gente já tem uma experiência de marcação, de
estudo do corpo para esse local. No digital a gente lida com uma
novidade, mas tentando lincar a linguagem palco e digital. Funciona
bem quando estamos dispostos a trabalhar um pouco mais; e este
desafio foi muito bem-vindo.
Você
é um diretor que trabalha muito com referências. Quais foram
essenciais neste processo de criação?
Nesse
processo de criação a maior referência para mim foi o ser humano.
Entender a luta do outro.
Como
diretor você pensou um processo de preparação da equipe que vai
além do tradicional. Conte um pouco de onde surgiu esta ideia e qual
sua proposta com isso.
Sim,
mas não fugimos do tradicional na preparação da equipe. Tivemos
que ressignificar. Estamos com um planejamento, atendendo as pessoas
de outras formas, e pensando em possibilidades juntas.
Quais
os planos para a peça depois desta primeira fase?
Depois
da primeira fase, quero continuar prestando serviços para a
comunidade com compromisso, respeito e trabalhar na equipe com
pessoas que acreditam e realmente abracem as lutas que o coletivo
acredita.
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