O livro é um olhar para dentro de si próprio
Bento Fleury Curado falou sobre a importância do livro nos dias atuais e fortes mudanças de comportamento na vida em sociedade
Bento Fleury: O livro é eterno. (Foto: Reprodução/Internet) |
No sábado (23 de Abril) foi celebrado o Dia Mundial do Livro e o jornalista Antonio Erasmo, conversou com Bento Alves de Araújo Jaime Fleury Curado, professor doutor, integrante e fundador da Academia Trindadense de Letras, Ciências e Artes (ATLECA), sobre a importância do livro. A reflexão do professor Bento Fleury foi ao ar no programa Conexão Goyazes.
O professor comentou sobre o que chama de “demonização” do papel e da produção cultural estampada nas páginas, pontuando ainda que o acervo das bibliotecas atualmente é acessado por meio de aparelhos eletrônicos, via internet, enquanto as obras físicas, os livros, continuam “esquecidos nas estantes”, no entendimento de Bento Fleury. “A questão do livro hoje é bastante polêmica, haja vista que existe, infelizmente, uma demonização do papel, uma desvalorização da produção cultural em papel, haja vista que a tecnologia chegou e chegou para ficar e então a grande maioria da população hoje lê, e pouco, apenas pelos veículos da internet, veículos da informática e o velho e querido livro, esquecido nas estantes, é uma contemplação do passado. Bibliotecas, hoje, são procuradas pelo seu vínculo com a internet, através dos computadores, através de todos os mecanismos e nem mais nos computadores, na grande maioria, porque tudo é feito pelo celular”, analisou.
Bento Fleury chamou a atenção em sua fala, para a dicotomia atual em que as informações das pessoas encontram-se ao alcance de um toque do dedo na tela de smartphone, mas toda essa facilidade inviabiliza um modo de vida mais reflexivo. “A vida das pessoas está plasmada no celular, fotos, imagens, contatos, documentos, vida financeira. Reduziu-se o universo da pessoa ao que a tecnologia proporciona e infelizmente uma exposição muito passiva à qual a pessoa já recebe tudo pronto, enquanto que o livro, com todas as suas particularidades e as suas diferenciações, é aquilo que exige de nós reflexão, mas o mundo hoje não para para reflexão, não há tempo”, diagnostica.
E o professor mostra também uma espécie de característica dos tempos atuais, nos quais mais informações disponíveis a todos, aceleraram o ritmo do viver em sociedade, mas interromperam o diálogo, de um modo geral. ”Se no passado éramos assolados pela falta de informação, hoje justamente ao contrário, somos martirizados pelo excesso de informação e isso gera um cansaço, um desgaste em que a pessoa vai cada vez mais ficando no externo, no superficial, porque não há inclusive tempo para refletir sobre as coisas enquanto a vida célere vai passando. Então, infelizmente, nós vivemos um época de acentuado tempo de pressa, a época da pressa sem tempo para nada e com a vertiginosa presença da internet os diálogos cessaram”, pontua.
Outro aspecto muito presente nas relações interpessoais foi bem notada pelo professor em sua fala ao jornalista Antonio Erasmo, que é a atenção total do indivíduo dispensada ao celular, sempre de cabeça baixa e olhos grudados na tela do aparelho, mesmo estando na companhia de gente se círculo mais próximo. “Então você vai visitar uma pessoa e está todo mundo no celular, as pessoas não olham para as outras. O mundo abaixou a cabeça. Você está no trânsito, a pessoa está com a cabeça baixada olhando o celular. Você está nas praças, a pessoa está com a cabeça baixa olhando o celular. Você está nos consultórios médicos, as pessoas estão com as cabeças baixa no celular”, salienta.
Pode-se dizer que Bento Fleury som sua exuberante capacidade de percepção do comportamento das pessoas nos dias de hoje, trouxe à baila mais uma contradição representada na forma como acontecem os relacionamentos na era da vida na tela dos smartphones. “Não se ergue mas a vista para ser ver quem está próximo. O celular veio para aproximar quem está longe e afastar quem está perto. Mesmo em shows, espetáculos só se vê as pessoas com os braços erguidos gravando para mostra para outra pessoa que ela está lá, ao passo que estando lá ela não curte como deveria aquele momento, por tem a necessidade de mostrar para os outros”, destaca.
O entrevistado bem lembrou que se antes escrevia-se em diários na esperança de que ninguém ali bisbilhotasse, hoje, ao contrário, as pessoas escrevem nas redes sociais e se irritam com a falta de “curtidas”, mas pontua a “eternidade” intrínseca ao livro. “Enquanto que no passado pensava-se em escrever nos diários e que ninguém visse, hoje se escreve nas redes sociais e fica com raiva se as pessoas não curtem e não veem. É uma inversão total. Então o velho livro, no silêncio das estantes, está lá com todo o seu universo de grandezas, de misérias, tristezas, encantamentos. O livro é eterno, apesar de tudo. Cada vez mais ele se distancia, mas no futuro, sabe-se lá longe ou perto, tudo isso de tecnologia vai haver um esgotamento, eu acredito e aí as pessoas vão tentar voltar àquilo que era, de fato, bonito, que era a vida contemplada”, raciocina.
E Bento Fleury retoma a ideia da relevância do ato de se contemplar a vida, algo esquecido, no presente, o que faz com que haja uma espécie de correria geral ditada pela tecnologia criada pelo homem. “A contemplação da vida, em todas as suas instâncias, desapontamentos, certezas, incertezas do destino humano, porque todos nós somos um ponto de interrogação. Nem mesmo a tecnologia trouxe para nós certeza de nada. Então a vida agora não é tão vivida como antes, mas ela é corrida, cada vez mais, porque a tecnologia nos exige, os grupos nos exigem”, destaca.
Muito interessante a conclusão da entrevista sobre esse traço da vida dita moderna, na qual o pensar, refletir, foi esquecido por muitos, ao passo em que se mantém curiosidade a respeito da vida alheia, negligenciado a prática de olhar para si próprio, aquilo que o livro oportuniza às pessoas. “Nós somos torturados por aquilo que nós mesmos construímos e esquecemos daquilo de se deitar numa cama, numa rede, para se ler alguma coisa, depois dormir, depois pensar. Não, eu tenho pressa de saber o que a Maria, o José, o Antônio estão fazendo, o que eles estão comendo, onde que eles foram. É um excesso de intromissão na vida alheia, esquecendo-se de que o mais importante na nossa vida é olhar para dentro da gente e ver o que há lá, o livro é justamente isso”, conclui.
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