No Dia do Escritor temos dois grandes intelectuais goianos refletindo sobre a atividade de escrever

“Refletir a vida por meio da escrita” e também “provocar a imaginação, estimular o sentimento, liberar a mente das pessoas”, tudo isso tem a ver com o trabalho do escritor, nas reflexões de Bento Fleury e Pedro Célio

Bento Fleury e Pedro Célio. (Fotos: Reprodução)

Nesta segunda-feira (25 de Julho), comemora-se o Dia do Escritor, e com base nisso fizemos contato com dois escritores goianos, intelectuais de reconhecida competência e antenados com a realidade dos dias atuais, com o objetivo de celebrar a data e pensando sobre o ato de escrever como atividade laborativa, digamos assim. Trata-se de Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, professor que tem doutorado em Geografia, integra a Academia Trindadense de Letras, Ciências e Artes, e Pedro Célio Alves Borges, também professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), com doutorado em Sociologia. Em tempo, Pedro Célio e Nilton Rodrigues são organizadores do livro Por incrível que pareça! Bestiário de uma era negacionista (Ed. Kelps), que será lançado em breve. Propusemos aos dois também autores de várias obras, que nos enviassem uma breve reflexão a respeito da atividade de escritor, na perspectiva histórica, mas, claro, de olho nessa tal pós-modernidade maluca em que vivemos. Ambos foram extremamente receptivos ao nosso pedido, oportunizado que pudéssemos celebrar tão importante efeméride com você internauta que às vezes nos prestigia acessando este espaço, por meio de reflexões claras, do tipo direto ao ponto, capazes de nos fazer pensar sobre temas relevantes inclusive para a compreensão dos dias de hoje. Sem mais delongas, vamos direto aos nossos ilustres visitantes. Boa viagem.

Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado

A atividade do escritor é refletir a vida por meio da escrita. É uma função que auxilia tanto quanto quem escreve como também quem lê. Quem escreve há um derramamento, esse derramamento há um efeito de catarse, a pessoa transborda emoções, sentimentos, questionamentos, dúvidas, anseios, perquirições. E quem lê é capaz de fundamentar em si uma consciência mais plena de toda a realidade em que vive ou até mesmo um aconselhamento diante de quaisquer dúvidas que possam existir. A leitura nos produz esse efeito de conhecimento, de entretenimento, de ajuda, de complemento de ideias e de observação mais acurada do mundo. O papel do escritor dentro da história, ele vem sendo dimensionado ao longo do tempo. Muitas modificações aconteceram desde o momento em que o escritor passou para o papel as suas emoções. A princípio o escritor entregava pronta uma história, era como se ao criar aquela história ele entrasse em contato com outros mundos, outras dimensões e tivesse um comportamento de Deus, ou seja, ele era dono do destino dos personagens. Mesmo a não ficção o autor é capaz de entranhar de si mesmo muito de seu mundo, muito do seu eu, mesmo que esteja nas entrelinhas, que esteja pulverizada dentro do texto. Com o passar do tempo o escritor passou a dizer o menos possível, ou seja, ele deixou de entregar para o leitor uma história pronta e o leitor passou também a interagir com o escritor no momento de refletir sobre certos posicionamentos. A literatura hoje vive uma fase de diversidade e ao mesmo tempo de modificações. O advento da internet, da tecnologia, colocou, como já disse, o livro em posição inferior, mas ele nunca deixará de existir enquanto as pessoas desejarem carregar consigo pedaços de emoções. Então, na literatura, hoje, ela é um aporte na vida das pessoas, aqueles que ainda gostam, que não foram influenciados totalmente pela tecnologia, ele serve como um refrigério a esse mundo caótico em que vivemos. Há um excesso de informação, informações, infelizmente, a maioria truncadas ou carregadas de erros ou de falsas considerações ou de ou fake news da vida, palavras novas que passaram a fazer parte de nosso cotidiano, mas, ao mesmo tempo, a literatura ela propicia ao ser humano um contato consigo mesmo, no mais íntimo das suas indagações a respeito do nosso papel no mundo. Ela questiona o fadário humano da existência em que haverá sempre a dúvida de onde viemos, para onde vamos, qual é a realidade do nosso caminho ou qual é a nossa missão nesse mundo. Daí reside o papel do escritor, aquele que constrói no peso das palavras um pouco do seu eu derramado no nós.

Pedro Célio Alves Borges

Quem toma para si a função de escrever, por opção de vida, por prazer, por profissão, carrega a mesma nobreza de outros artistas, que é atiçar a imaginação daqueles com quem ele se comunica. O escritor de ficção ou não, mas principalmente de ficção, ele tem essa sensibilidade de provocar a imaginação, estimular o sentimento, liberar a mente das pessoas, convidar as pessoas para fluírem, convidarem ao devaneio, convidar as pessoas a tocarem situações que não estão diante delas, a conhecerem realidades que eles não presenciaram. Essa é a função do escritor. Desta maneira, a técnica de trabalho da escrita, da ficção notadamente, é inspirada em algo de realidade ainda que ele não traduza a realidade, mas ele se inspira na realidade. No Brasil, hoje, nós estamos vivendo um momento muito complicado para os escritores, porque a crise brasileira do ponto de vista econômico, moral, ético, político, institucional, faz com que nós tenhamos na realidade situações tão esdrúxulas, tão bizarras que dificilmente a ficção consegue ir além dela, superá-la. Dificilmente a imaginação consegue traçar realidades mais difíceis de serem concebidas do que aquelas situações que estão na vida das pessoas. Esse é um problema sério. E aí, muitas vezes, o escritor é obrigado, ele se vê forçado, em função dessa dificuldade, a dar um passo atrás para voltar à função de não ficcionista, ele passa a trabalhar com a realidade na forma da descrição, da reportagem, da interpretação, para que, fazendo isso, ele novamente procure ênfases, elementos de realidade que ele selecione, que destaque para depois motivar uma nova construção ficcional. Quer dizer, escrever não é uma tarefa que, vamos dizer, simples. Ela demanda, além da sensibilidade, da vocação, mas ela demanda também essa técnica de estar sempre atento às questões da vida real. O escritor que se desliga dos problemas da sociedade, ele tem pouco fôlego, ele tem poucas palavras, ele tem poucas maneiras de fazer esse caminho de retorno e depois de novamente procurar a ficção.