A origem da devoção ao Divino Pai Eterno em Trindade

Celebrar essa festa é celebrar a fé de tantos romeiros e pessoas de fé que nos precederam

Paulo Afonso, jornalista e professor. (Foto: Reprodução)

ARTIGO | Paulo Afonso Tavares é professor e jornalista, doutorando em História na Universidade Federal de Goiás (UFG) e mestrando em Desenvolvimento e Planejamento Territorial na PUC GOIÁS


Hoje fui acordado às 05h ao som do foguetório da alvorada festiva, marcando o início do primeiro dia da Tradicional Festa em Louvor ao Divino Pai Eterno. Este ano, o tema é “O Pai Eterno nos chama e envia”. Não tem preço poder participar de mais um ano desta linda festa religiosa. Este ano tem um sabor ainda mais especial, pois meu querido padrinho Padre Marco Aurélio Martins da Silva está à frente da organização como reitor do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno.

Nós, em Trindade, temos o costume de afirmar uma sentença: “Trem bom é bondade, festa boa é da Trindade”.

A Romaria do Divino Pai Eterno é o maior evento religioso do centro-oeste e o segundo maior do Brasil. Tudo começou por volta de 1840, com um medalhão de barro de aproximadamente 8 cm, com a gravura da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) coroando a Virgem Maria.

Romaria 2023: Primeiro dia de celebração


Conforme a dissertação de mestrado em História na Universidade Federal de Goiás: “Trindade de Goiás – Uma cidade santuário: conjunturas de um fenômeno religioso no Centro-Oeste Brasileiro”, do pesquisador Miguel Archângelo Nogueira dos Santos de 1978, existem três versões para o início da Romaria do Divino Pai Eterno, no antigo arraial do Barro Preto, hoje cidade de Trindade. Todas elas envolvem o casal de agricultores Constantino Xavier Maria e Ana Rosa de Oliveira.

A primeira versão, a oficial, é que Constantino e Ana Rosa, enquanto roçavam a terra onde hoje é o Santuário Matriz do Divino Pai Eterno, o Santuário Velho, encontraram o medalhão e o levaram para casa. A segunda versão afirma que Constantino, que era mineiro, trouxe o medalhão de Minas Gerais. Já a terceira versão sugere que Constantino perguntou a um padre qual era o santo mais forte para ele construir um oratório e o padre respondeu que era o Deus Pai.

Em todos os documentos do período de Constantino e Ana Rosa, não há menções de que o casal encontrou o medalhão enquanto preparava a terra para o plantio. Em 1898, o então sacristão da capelinha do Divino Pai Eterno, Manuel Pio, escreveu: “Está decorrendo quarenta e dois annos (mais ou menos) que Constantino Xavier cazado com Anna Roza deu principio a romaria do Padre Eterno no Barro Preto de Goiaz... A imagem com que eles principiaram a rezar o terço em honra do Divino Padre Eterno foi feita de barro, em forma de uma medalha que tinha meio palmo de circunferência, (como eu vi). Nesta medalha estava gravada a imagem da Santíssima Trindade, coroando a Virgem Maria”.

O relato de Manuel Pio traz muitas pistas interessantes. Se o medalhão realmente tivesse sido encontrado enquanto o casal de agricultores lavrava a terra, com certeza, ele teria relatado esse fato, dado o misticismo do achado. No entanto, ele não menciona nada sobre isso. Outro fato relevante é que, desde o relato dele até o início da devoção, apenas "quarenta e dois annos (mais ou menos)" se passaram, fazendo do evento algo recente. Outro aspecto interessante é que ele afirma "como eu vi", indicando que seu relato é baseado em observações pessoais. Isso nos leva a concluir que, cerca de quarenta anos depois, o medalhão de barro já tinha desaparecido, ou seja, na disputa entre o bispo de Goiás e a Irmandade que cuidava da Igrejinha do Divino Pai Eterno, alguém optou por "esconder" o medalhão. Este foi devolvido recentemente, em segredo de confissão ao Padre Campos.

Esse é um dos grandes segredos de Trindade: quem escondeu o medalhão e por qual motivo? Será que foi por medo de o bispo acabar com a romaria? São perguntas que este jovem historiador sempre se fez e, quem sabe, um dia encontrarei as respostas para elas.

Retornando às versões do início da romaria. Em 1894, quatro anos antes do relato de Manuel Pio, os Missionários Redentoristas chegaram da Alemanha para cuidar da Igrejinha e da devoção ao Divino Pai Eterno. Em nenhuma carta, crônica ou relato, os religiosos mencionam o medalhão de barro, ou fazem alusão à devoção ter começado quando um casal de agricultores encontrou o medalhão enquanto preparava a terra para o plantio. Os redentoristas certamente tiveram contato com as pessoas do início da devoção.

Este relato só surgirá em 1958, num artigo escrito na revista da Arquidiocese de Goiânia, pelo missionário redentorista e então pároco de Trindade, Padre João Cardoso de Souza. Esse sacerdote foi uma das personalidades que mais contribuíram para o progresso e desenvolvimento de Trindade. Ele criou colégios, compôs o hino e idealizou a bandeira de Trindade.

Ele também concebeu o relato que se tornaria o oficial, que o medalhão foi encontrado enquanto o casal de agricultores preparava a terra para o plantio. Portanto, é um relato mais recente. Historiadores que pesquisam a história de Trindade e da devoção ao Divino Pai Eterno não têm dúvidas de que a criação deste relato foi para conferir um caráter mais místico e divino ao início da devoção, nos moldes da devoção de Nossa Senhora Aparecida, cujo santuário também é administrado pelos Missionários Redentoristas.

Constantino Xavier era de Minas Gerais, e qualquer pessoa que passeie pelas igrejas históricas de Ouro Preto, Tiradentes e São João del Rey pode perceber como os mineiros eram devotos da Santíssima Trindade, ou da assunção e coração de Nossa Senhora no céu pela Santíssima Trindade. Pois na maioria dos templos históricos, esse dogma da fé católica está retratado em pinturas no teto.

Para a maioria dos historiadores, a versão correta é que Constantino trouxe o medalhão de Minas Gerais, pois há documentos que indicam que ele também era oleiro, trabalhava com argila. Por isso, pode ter sido ele mesmo que fabricou o medalhão.

Independentemente de qual versão seja a correta para o início da devoção ao Divino Pai Eterno, o que interessa é que Constantino e sua esposa Ana Rosa iniciaram a reza do terço todos os sábados em sua casa, no arraial do Barro Preto, e, a partir daí, na fé simples do povo goiano no "Divino Padre Eterno", começaram a acontecer os primeiros milagres. E mais pessoas começaram a chegar para participar da reza do terço. Eram tantas pessoas, que tiveram que construir três capelinhas, até a construção do Santuário Matriz do Divino Pai Eterno, em 1912, pelos Missionários Redentoristas alemães.

Até a data da festa em honra ao Divino Pai Eterno, o primeiro domingo de julho, foi escolhida, pois era o tempo da colheita e de seca, condições que permitiam aos devotos percorrer quilômetros a pé, a cavalo e de carro de boi até a capelinha no arraial do Barro Preto, para agradecer pelas bênçãos e pedir proteção para o próximo ano ao "Divino Padre Eterno". A escolha da figura do "Deus Pai" também é a primeira vez que surge no catolicismo romano uma devoção à primeira pessoa da Santíssima Trindade. Isso só comprova o amor que esse povo simples do sertão goiano possuía por Deus, a quem chamavam de "Divino Padre Eterno".

Portanto, celebrar essa festa é celebrar a fé de tantos romeiros e pessoas de fé que nos precederam. É fazer história e reviver essa aliança de amor entre Deus e seus filhos.


Comentários

Anônimo disse…
👏👏👏🙏🙏🙏💙💙💙