Jubileu de Ouro: Sinval Barbosa da Silva chega aos 50 anos trabalhando como alfaiate
Por cinco décadas manipulando tesouras, agulhas, linhas, tecidos, produzindo roupas para os trindadenses, tendo construído uma bela família e conquistado a tão almejada independência financeira, Sinval Barbosa decidiu: “está na hora de parar”
Sinval Barbosa, alfaiate há 50 anos em Trindade. |
Agora, neste início de novembro Sinval Barbosa da Silva completou exatas cinco décadas de trabalhos como alfaiate em Trindade e, destes, 42 anos ali no Beco dos Aflitos ou Rua Coronel João Braz, no centro da “Capital da Fé”, embora já trabalhado também na Av. Eugênio Jardim, por algum tempo. Que marca, senhoras e senhores! 50 anos, ou seja, jubileu de ouro!
Na manhã de sábado (18), estive na Alfaiataria do Sinval, trocando um dedo de prosa com o próprio e seu parceiro de labuta manipulando tesouras, agulhas, linhas, ferro de passar roupa e tecidos, há 37 anos, o potiguar de Caicó, Divino Dantas. Conversa agradabilíssima, vale dizer. O Sinval contou que os dois trabalham juntos desde que o Divino tinha 16 anos de idade, assim que chegou em Trindade e será o sucessor do mestre tocando o negócio.
Divino Dantas e Sinval Barbosa: 37 anos trabalhando juntos. |
O Sinval Barbosa é o primeiro filho entre sete, cujas origens estão na zona rural de Israelândia, tendo morado uns tempos em Moiporá, depois, jovem ainda, no esplendor dos seus 19 anos de idade, transferindo-se para Goiânia e de lá para Trindade foi um pulo. E a população local de então, girava ao redor, segundo Barbosa, 34 mil habitantes. Nosso personagem tinha planos para um futuro melhor e era preciso buscar novo rumo na vida, como se diz. Chegando à “Velha Trindade da Fé e do Amor”, como canta o Valter José, Sinval foi aprender a profissão de alfaiate com seu primo Luiz Vinhal, instalado ali na Vila Pai Eterno, ao lado da fábrica de doce do Seu Sebastião. Isso ali pelos meados de novembro de 1973. Naquela época, Trindade contava com, pelo menos, 36 alfaiates em ação, diga-se. De lá, até hoje em dia, não parou mais com a labuta.
Nesse tempo todo o nosso personagem estudou, concluiu o curso técnico em Contabilidade no Colégio Estadual Padre Pelágio e depois se formou em Ciências Contábeis, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), mas permaneceu acelerando sua máquina de costura, porque, à época, a alfaiataria lhe garantia uma renda muito maior do que os valores oferecidos para atuar em outras atividades. E dessa maneira, foi ficando na mesma profissão. “Quando parar de trabalhar vou passar tudo para o Divino, menos a minha máquina de costura e meu tamborete. Vou levar comigo para casa”, revelou com sorriso nos lábios.
Jogador de futebol, peladeiro, melhor dizendo, Sinval certa feita foi cabecear, mas a bola acertou em cheio seu olho direito, provocando sérias danos na retina. Desde então, passou a ter visão monocular, que não o impediu de continuar sendo um excelente profissional, um dos grandes alfaiates que Trindade já teve em atividade, convém ressaltar. Quer dizer, quem quer e se esforça supera obstáculos e segue em frente.
Alfaiataria do Sinval, mesmo endereço há 42 anos. |
A hora de parar
Na verdade, agora Sinval Barbosa está pensando mesmo em parar. “Estou ensaiando para parar, mas o povo não deixa”, garantiu de forma bem humorada. Aí perguntamos se ele pensa realmente em encerrar as atividades. “Estou caminhando para os 70 anos, está na hora de parar, em setembro de 2024, está na hora de parar”, concluiu. “Fico aqui mais é para não ficar quieto e o pessoal não deixa eu quieto, tem que fazer consertos. O Divino não gosta de fazer conserto. Aí fiz o seguinte. Eu passei a Alfaiataria para ele, exceto minha máquina e meu tamborete”, disse. Ah, um detalhe: a máquina de costura em questão é uma Singer, modelo 21D, comprada na Loja Nossa Senhora Aparecida, do saudoso Wilson Torrano, por volta de 1982.
E para quem pensa que não há demanda por roupa feita sob encomenda, fique certo de que está enganado, nos revela o Sinval. “É aquela história, o apressado come cru. Vai lá na loja e compra o que acha na frente. Aquele que tem paciência e quer coisa boa, manda fazer”, afirmou. Por exemplo, um profissional bom de serviço leva dois dias na produção de um terno (calça e paletó). Tem um dia só para você cortar e por as provas nele, um dia só de agulha, só de mão”, informa. A questão é o preço, neste caso. Um terno sob encomenda pode custar facilmente algo em torno de 1,2 mil reais. “E mesmo assim, o pessoal que gosta de trabalhar com terno está parando”, avisa.
Mudanças no mercado
Aqui estamos falando de mudanças de mercado mesmo. A produção em grande escala diminuiu os preços aos consumidores e o trabalho artesanal não conseguiu acompanhar. Se um determinado produto se reduz em quantidade, começam a surgir dificuldades, como no caso de aviamentos, por exemplo. Se é preciso trocar um botão de um paletó a coisa não é fácil. “O cliente chega e diz eu quero que troca o botão do meu paletó. De que jeito, se não acha esses botões para comprar?, argumenta. São as mudanças do mercado mesmo, comenta com um tom de resignação. Sinval conta que nos áureos tempos a Alfaiataria chegava a produzir até 500 calças por mês, hoje em são feitas, mais ou menos, 10 peças por semana.
O ritmo de trabalho semanal diminuiu drasticamente ao longo dos últimos anos também. “Eu trabalhava das quatro horas da manhã às 10 da noite, todo dia. Meus oficiais (aprendizes) iam embora para a escola e no outro dia chegavam cedo, porque ali pelas cinco e meia da tarde tinham que ir para a escola. Dia de sábado, a gente pegava no trabalho de madruga e íamos até enquanto tivesse serviço”, relembrou. E até o espaço físico igualmente diminuiu. “A Alfaiataria ocupava a metade desse casa”, comenta.
Sinval Barbosa refletindo sobre o momento de encerrar a carreira |
Futuro da profissão
A respeito da continuidade da profissão, Sinval Barbosa tem uma visão realista. “Não, a tendência é a de quem está aguentando nela até hoje vai permanecer até o dia que não aguentar mais. Hoje você não encontra uma pessoa para aprender a profissão mais. Eu tinha na minha porta, toda semana, duas, três pessoas querendo aprender a profissão; hoje em dia passa ano sem uma pessoa procurar; perderam o interesse. Hoje a pessoa é mais interessada em fazer um cursinho de seis meses no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e entrar numa facção ou numa confecção, ganhar um salário de carteira assinada, e não está errado, está certo. Não tem mercado, e com a alfaiataria foi acabando”, explica. Roupa feita sob encomenda, de fato, a gente vê muito pouco. “Só as pessoas mais exigentes mesmo, o pessoal mais de idade que gosta de uma calça com bolsinhos, essas coisas assim, e não se acha para comprar pronta, aí recorre ao alfaiate, mas nossa classe está no final. Hoje não tem sindicato mais”, salienta.
Mudanças de comportamento
As coisas mudaram, o comportamento das pessoas, os gostos, a forma de se vestir foi junto nessa mudança, segundo o diagnóstico de Sinval Barbosa. “O homem perdeu a vaidade, as mulheres são mais vaidosas e se vestem bem. Os homens põem uma bermuda e uma camiseta e está de bom tamanho para eles. O homem chega aqui com a mulher para fazer uma calça social e sai nervoso. Vou fazer uma roupa dessas e não vou usar. Essa é a mudança que teve. E com isso não tem mais mercado para alfaiate”, analisa.
Balanço da carreira
A realidade atual é uma coisa, mas foi trabalhando na alfaiataria, por 50 anos, que o nosso personagem construiu sua vida, um patrimônio e a possibilidade de parar, quando quiser, em consequência de ter conquistado a almejada independência financeira. E fazendo uma espécie de balanço da carreira, aliás, convém não esquecer disso, Sinval é contador, o resultado é positivo, na perspectiva de alguém considerado talvez como sendo o último alfaiate ainda em atividade em Trindade. “Tudo que eu tenho na vida foi tirado sentado naquele tamborete. Criei minha família, duas filhas formadas e se eu parar de trabalhar hoje eu tenho o meu sustento, mas tudo isso com seriedade, se não tiver seriedade na coisa, não se rompe”, comenta. E vale lembrar, em tempo, que Sinval Barbosa é casado com a professora, também com formação acadêmica em Ciências Contábeis, Regina Teles, com quem tem duas filhas, Valéria Teles, engenheira eletricista, e Vivianne Teles, engenheira ambiental.
Já terminando nossa conversa, perguntei ao Sinval Barbosa se valeu a pena tudo o que viveu no exercício da profissão de alfaiate, se ele faria de novo. A resposta veio rápida: “Nossa Senhora! Isso aqui me educou, me proporcionou criar a minha família e ter o que tenho. Então, valeu a pena sim!”
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