EM ALGUM LUGAR, há um lugar para nós?
Há um lugar no qual eu possa apreciar sem temores, sem receios, com aquela, com aquele, a quem eu amo, com quem convivo?
Professor Wagner Balera. (Foto: Reprodução)
REFLEXÃO | Wagner Balera é professor titular de Direito Previdenciário e de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Livre-Docente em Direitos Humanos, Doutor em Direito área de Direitos Humanos
É impressionante que, agora, somente agora, quando se lança o filme O Maestro, para enfocar a figura de Leonard Bernstein, o grande regente da Filarmônica de Nova Iorque, por mais de trinta anos, compositor de diversas óperas e trilhas sonoras para filmes, como Sindicato de Ladrões, que ficou ainda mais conhecido como um dos criadores, ao lado de Stephen Sondheim, do musical da Broadway Amor, Sublime Amor, que foi levado aos cinemas em 1961 e, mais recentemente, pelo diretor Steven Spielberg no remake de 2021, seja entoada a ária Somewhere (no sentido estrito ária é qualquer composição musical escrita para um cantor solista, tendo quase o mesmo significado de canção. E, usamos a expressão “somewhere” quando falamos de um lugar em particular, mas que ainda não sabemos onde é).
Em suma, essa pergunta ecoa para além da ária e da ópera West Side Story e nos interpela quase que cotidianamente. Diariamente.
Nesse início de ano é tempo de refletir e indagar: Há um lugar para nós? Em algum lugar, há um lugar para nós?
E, mais ainda, há um tempo para nós?
Um tempo para estarmos juntos em algum lugar?
Podemos segurar um a mão do outro? Sim. O outro. Que outro?
Esse apelo dramático à solidariedade, que se expressa na melancólica canção, nos entremostra a realidade que estamos vivenciando hoje.
Cada um de nós se poderia perguntar: há um lugar para mim, neste tempo? Há um lugar no qual eu possa apreciar sem temores, sem receios, com aquela, com aquele, a quem eu amo, com quem convivo?
E teremos tempo, nessas correrias da vida, para desfrutar desse lugar?
Que tal, para começar, escolhermos o caminho?
Seguremos um na mão do outro e, como na canção que entoávamos para o papa São João Paulo II, em sua memorável visita ao Brasil, também na mão de Deus. Ela não nos faltará. Vamos! Há um lugar para nós. Todos podem encontrar seu lugar. Há um tempo para nós. Se você procurar, e obviamente me refiro a todos, porque ninguém encontrou plenamente o seu lugar, vai encontrar.
Mas, esse tempo, esse lugar, essa pessoa, não pode ser somente o que já está colado comigo. Temos que engajar mais alguém; temos que chamar outros.
Tenho um amigo que encontrou tempo e lugar para fazer isso através de sua turma. Sim, uma turma que se designou, singelamente, a turma da marmita. Qual é o tempo deles? Todo o tempo. Qual é o lugar deles? Todos os lugares onde nossos irmãos, os pobres, em situação de rua, passam fome. É, pode ser que você não se aperceba, mas, em algum lugar, alguém neste tempo não tem nem mesmo o que comer. Em algum lugar.
Há um lugar para nós?
Um tempo e lugar para nós?
Segurar na mão dos que têm fome é dar-lhes lugar, tempo e, quem sabe voz (talvez, como em Somewhere, eu esteja sonhando).
No filme, Tony e Maria, a dupla cuja função como que emula a célebre tragédia de Romeu e Julieta, escrita por Shakespeare, pertence a gangues rivais. E, para além dos Capuleto e Montequio, institucionalizam o que, em nossos dias, se reproduz como verdadeiro e horrendo ódio entre facções que se recusam a dar lugar, que não admitem dar tempo, aos outros. Se você ainda não assistiu ao filme, magistralmente dirigido por Steven Spielberg, corra. Não será, eu lhe garanto, simples entretenimento, o colocará no modo alerta. Que tempo? Que lugar? Que pessoa? E, já lhe dou, como spoiler, a notícia triste: Tony morre porque não lhe deram nem tempo nem lugar.
Maria sobreviveu? Ninguém sabe, porque o drama termina nos estilos apropriados para as grandes óperas.
Nelas, como igualmente na vida, alguém espera encontrar seu tempo; seu lugar. E faz parte da encenação da existência que é, cada vez mais, exigente.
Não nos sujeitemos a nenhuma gangue. Hoje elas nos dominam nas redes, através das mentiras exaustivamente repetidas, que matam Tony e fazem Maria ficar só para sempre. As gangues querem suprimir nosso tempo de pensar. Querem retirar de mim e de você aquilo que, tão elegantemente, como, de modo desengonçado, alguém denominou “o meu lugar de fala”.
Ei! Você tem, pelo menos, o seu lugar de fala. E o tempo? Bom. Tempo quem produz é você. Se você não percebeu ainda, lhe dou um dia a mais, neste ano. É um ano que tem um dia a mais. Utilize esse dia para encontrar seu tempo e seu lugar.
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