Por que o Padre Júlio Lancellotti é tão perseguido?
Vira e mexe, Padre Júlio Lancellotti é alvo de ataques e perseguições por grupos políticos conservadores
Paulo Afonso Tavares, articulista. (Foto: Reprodução) |
ARTIGO | Paulo Afonso Tavares é professor, historiador e jornalista. Cursa ainda doutorado em História na UFG e o mestrado em Desenvolvimento e Planejamento Territorial na PUC GOIÁS
O sacerdote católico romano de 75 anos, com passos vagarosos, cabelos brancos, voz serena e olhar calmo, dedica-se há mais de 40 anos aos pobres e coordena a Pastoral da Rua da Arquidiocese de São Paulo. Esse é o Padre Júlio Lancellotti.
Vira e mexe, Padre Júlio Lancellotti é alvo de ataques e perseguições por grupos políticos conservadores. Sempre me perguntei: o que esse sacerdote faz para ser tão perseguido?
Desde 1986, ele está à frente da Paróquia de São Miguel Arcanjo, na Mooca, em São Paulo, onde iniciou o trabalho pastoral com populações de rua, menores infratores e crianças com HIV.
Padre Júlio Lancellotti é taxado de “padre comunista” por políticos de extrema direita e tem seu trabalho apoiado pelo Papa Francisco. O pontífice ligou para o sacerdote brasileiro em 2020, recomendando que ele não desanimasse do trabalho de auxílio aos pobres, mesmo diante de todas as dificuldades e perseguições.
Ele também acumula reconhecimentos oficiais e premiações em Direitos Humanos, concedidos por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ministério da Justiça e da Segurança Pública, Câmara dos Deputados e Presidência da República, entre outros.
No início deste ano, fomos surpreendidos com a notícia de que o Padre Júlio Lancellotti era mais uma vez alvo de perseguição. Agora, seria investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de São Paulo. A iniciativa é do vereador Rubinho Nunes (União Brasil), que visa investigar as organizações não governamentais (ONGs) atuantes na Cracolândia, na região central de São Paulo, caso o colegiado seja formado no legislativo municipal paulistano.
O vereador Rubinho Nunes prevê que a CPI seja instaurada em fevereiro, após o recesso parlamentar, e diz que a medida já conta com o apoio de 30 vereadores. Ele acusa duas organizações, a Craco Resiste e o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, conhecido como Bompar, de promoverem uma "máfia da miséria", que "explora os dependentes químicos do centro da capital". Padre Júlio Lancellotti já foi conselheiro do Bompar e desenvolve um dos principais trabalhos sociais na capital paulista.
A justificativa de Rubinho Nunes para a CPI é que essas organizações recebem dinheiro público para distribuir alimentos, kits de higiene e itens para o uso de drogas à população em situação de rua. A política de redução de danos, segundo ele, gera um "circulo vicioso" no qual o usuário de crack não consegue largar o vício.
Por sua vez, Padre Júlio Lancellotti afirmou à imprensa que a instalação de CPIs para investigar o uso de recursos públicos pelo terceiro setor é uma ação legítima do Poder Legislativo. O padre esclareceu que não faz parte de nenhuma organização conveniada à Prefeitura de São Paulo, mas sim da Paróquia São Miguel Arcanjo.
Como mencionado no início, Padre Júlio Lancellotti é constantemente alvo de grupos extremistas da direita. Na mira de bolsonaristas, o padre já recebeu críticas de Arthur do Val, candidato a prefeito de São Paulo pelo Patriota em 2020, que culminaram em ameaças.
O sacerdote também já foi processado por Jair Bolsonaro (PL), quando este ainda era deputado, por um vídeo divulgado nas redes sociais em março de 2017, no qual o padre defendia os direitos das mulheres e criticava o fato de "uma pessoa homofóbica e violenta como Bolsonaro" aparecer nas pesquisas eleitorais para a Presidência. O sacerdote venceu a ação.
Entretanto, a atuação do Padre Júlio Lancellotti também rendeu conquistas proativas em favor dos menos favorecidos. Inspirou a criação de uma lei, batizada com seu nome, que proíbe o uso de materiais, estruturas e técnicas construtivas hostis nos espaços públicos. O projeto teve autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES).
Em fevereiro de 2021, durante a pandemia de COVID-19, o sacerdote quebrou pedregulhos colocados sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida pela Prefeitura de São Paulo para afastar pessoas em vulnerabilidade. Após a repercussão, as pedras foram removidas pela administração municipal.
A lei foi promulgada no dia 21 de dezembro de 2022, como resultado da derrubada de um veto do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Congresso. Essa norma alterou o Estatuto da Cidade e foi assinada simbolicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sílvio Almeida, durante cerimônia no Palácio do Planalto.
O Padre Júlio Lancellotti tem uma frase que define sua história de luta e defesa dos pobres e desfavorecidos: “Eu não luto para ganhar. Eu luto para ser fiel até o fim”. Se eu pudesse segurar as mãos calejadas desse sacerdote, olharia nos seus olhos e diria: “Força, Padre Júlio Lancellotti, as perseguições continuarão, pois Nosso Senhor Jesus Cristo já afirmou: ‘Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão’ (João 15,20). E o Mestre também nos ensinou: ‘Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes me ver’ (Mateus 25, 35-36). Cada uma das pessoas que o senhor cuida, Padre Júlio Lancellotti, é o próprio Cristo a quem estás cuidando. Força, estamos com o senhor. Obrigado por ser exemplo para todos os verdadeiros cristãos, imitadores de Nosso Senhor Jesus Cristo!
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