Saúde mental: a importância da prática da escrita na terceira idade
“Aos 73 anos, pude entender que, com a escrita, a dimensão temporal do envelhecimento se transmudou para uma nova cronologia, onde a medida são os passos de amadurecimento que dou na minha produção.”
Ana Helena Reis, escritora. (Foto: Divulgação)
ARTIGO | Ana Helena Reis é pesquisadora do comportamento humano. Investigadora de si mesma. Escritora do cotidiano. Ilustradora de devaneios
A velhice, hora chamada de “terceira idade”, ora de “melhor idade" e, em alguns casos, de "senioridade" vem sendo tema de inúmeros debates, escritos, filmes, enfim, ela está em pauta nos dias de hoje. Esse olhar para aqueles que ultrapassaram o marco dos 60 anos é uma coisa relativamente nova, pois até décadas atrás esse contingente de pessoas vivia em total ostracismo, relegadas a uma aposentadoria não só profissional, mas de ideias, de novas vivências, caminhos, prazeres.
Um dos percursos para fazer da velhice um momento de autoconhecimento e reconhecimento é a escrita. Nela, a possibilidade de olhar para dentro, trazer à tona memórias afetivas e compartilhá-las em um escrito, que pode ou não ter leitores, estabelece uma relação entre criador e criatura que, por si só, traz imensos ganhos para quem rompe a casca e sai do casulo, muitas vezes imposto pela sociedade, da velhice anônima.
Não é para menos que a comunidade médica vem, cada vez mais, incentivando seus pacientes idosos a ter uma atividade física e intelectual. O exercício diário de escrever obriga a pensar, lembrar, ler, pesquisar, e isso estimula os neurônios que, não há como contestar, vão perdendo sua vitalidade ao longo da vida.
Além disso, o compromisso com a escrita pode levar também a uma mudança para uma rotina mais saudável. No meu caso, por exemplo, longas caminhadas são momentos de inspiração e passaram a fazer parte do meu ritual a partir do momento em que a escrita literária entrou na minha vida.
Sempre escrevi bastante por conta da profissão, dedicada à pesquisa de comportamento e opinião, mas os textos eram relatórios de projetos, papers para congressos, uma escrita instigante, mas não literária. De 2019 para cá, com o período de reclusão imposto pela pandemia da Covid-19, meu projeto de aposentadoria começou a se concretizar e, beirando os 70 anos, fui buscar um novo desafio – me aventurar pela escrita criativa.
Daí surgiram os contos, as crônicas, as publicações em antologias e agora, em 2024, o lançamento do meu primeiro livro solo, Conto ou não Conto. São 34 contos com temáticas variadas, mas dedico alguns deles às angústias da última fase da vida, como a perda de memória, a proximidade da finitude e os resgates afetivos que muitas vezes precisamos fazer.
Para isso, procuro seguir uma prática de escrita diária, que às vezes é bastante produtiva, flui facilmente, mas volta e meia as palavras fogem, falta inspiração para buscar novos temas, e nesses momentos procuro reler alguns depoimentos biográficos de grandes autores contando de suas dificuldades, da quantidade de versões que fazem de cada texto e do tempo que, muitas vezes, levam para terminá-los. Deixo o texto descansar, mudo o foco e retorno com novo ânimo.
Aos 73 anos, pude entender que, com a escrita, a dimensão temporal do envelhecimento se transmudou para uma nova cronologia, onde a medida são os passos de amadurecimento que dou na minha produção. Percebi que a régua, hoje, é feita de centímetros de aperfeiçoamento da escrita, milímetros de melhoria nas costuras entre os temas e as formas literárias, e da metragem que acumulo de aprendizados, a cada texto.
E essa régua é infinita.
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